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domingo, 15 de julho de 2007

Mãe Luzia: A negra de luz

Mãe Luzia (*1845 +1954)

Mãe Luzia:
A negra com alma de Luz
Édi Prado

O Geraldo Magela, diretor da Elo, pediu-me com urgência umas notas que reverenciassem a Mãe Luzia. “Ela tem que sair nesta edição”. Na época que fiz um levantamento, também às pressa sobre a vida dessa mulher-luz, não havia computador. E papéis, as traças traçam. Mas hoje tem computador e existem pessoas que insistem em amar esta terra e não se esquecem das que deixaram um legado de exemplo. Na primeira procura no Amapá Busca, encontrei edgaramapa@bol.com.br e Joel Elias. Edgar Rodrigues arrumando as tropas que comandaram Macapá, desde quando “gitinha”, em ordem cronológica e Joel Elias, contando história de Mãe Luzia. Outra Fonte, onde bebemos um pouco de informação: Dicionário das Mulheres Brasileiras.
Eles que me perdoem. Mas depois que inventaram esse negócio de internet, pedir licença para as pessoas é mais fácil citar as fontes. Espero não estar cometendo nenhuma heresia. Mas por conta e risco, decidi montar essa referência de Mulher e Anjo, com as reverências e lembranças, juntando os cacos de uma peça rara, para montar um cenário imaginário/real.

A TRAJETÓRIA DE VIDAS

Francisca Luzia da Silva, a predestinada Mãe Luzia, nasceu em Macapá em 1845. Nasceu escrava, descendente dos Bantos. Se no corpo havia cicatrizes dos feitores, na alma trazia a liberdade, esperanças, luz, vida. Nos tanques, lavando as roupas sujas dos que a escravizavam, suas mãos foram se habilitando e se especializando na arte de “pegar crianças”, segredos que veio se aperfeiçoar com os ensinamentos da mãe, também parteira. “Ela nasceu com esse dom”, dizem os parentes dela.
Mas ela era igual a todas as mulheres negras, que tinham que trabalhar nos tanques, na beira do igarapé para lavar roupa, “engomar” e fazer todos os serviços domésticos para garantir o sustento dela e dos que dela dependiam. Só se transformava em Santa, quando alguém precisava de uma “aparadeira”de criança. Podia ser filha de “dotô” ou qualquer mulher que estivesse prestes a parir. Ela largava tudo e saía com a trouxinha dela, com os ungüentos, andiroba, pracaxi, copaíba e outros segredos, literalmente correndo para trazer mais um espírito encarnado. E foram milhares deles nos 109 anos de vida aqui nesse pedacinho de chão. E tantos foram filhos que “vieram” pelas mãos dela, que o então primeiro Intendente, depois chamado de prefeito-coronel, Coriolano Jucá, concedeu-lhe este título, Mãe Luzia, por ter sido a parteira de todos os filhos dele.
CHAMA A DOUTORA, MÃE LUZIA
Após incontáveis partos e num gesto de gratidão e reconhecimento, foi contratada pela prefeitura, recebendo uma quantia por parto. Nada mais justo, uma vez que ela passava mais tempo nas “maternidades” caseiras do que nos tanques de lavar roupa, de onde tirava o sustento. E não era só na hora do parto, que ela era acionada. Mesmo quando não se falava em pré-parto, lá estava ela, “puxando” uma barriga, ajeitando um moleque atravessado na barriga da mãe, benzendo e ministrando chás e outros remédios caseiros às “pacientes”. Os poetas fizeram poesias. Os pintores pintavam um rosto, um corpo, uma expressão, um retrato daquela mulher na tentativa de capturar a alma. Os músicos melodiavam canções e a cidade a respeitava.
VARAIS DE POESIA
Mãe Luzia quando não estava “aparando” meninos, passava boa parte do dia curvada sobre a tina, nos quaradouros, levantando varais e manejando os pesados ferros de engomar. Na casa dela, no “Beco do Formigueiro”, bem atrás da Igreja São José, era visitada pelas autoridades e visitantes, que a procuravam para escutar as histórias da região e os segredos do ofício. Um dos freqüentadores, Janary Gentil Nunes, o primeiro governador do extinto Território Federal do Amapá, relatava com orgulho e encantamento as visitas que fazia a Mãe Luzia, descrevendo a casa de barro socado, onde ela acolhia a todos com muita atenção e a sabedoria escondida naquela negra.
BATA BRANCA, AÇUCENA
Em contraste com a bata branca sempre bem engomada com a qual costumava sair, Mãe Luiza recebia os visitantes, vestida de seminua, como os ancestrais: Seios expostos e saias rodadas. Inspirou artistas de todas as áreas, que em versos e telas eternizaram sua coragem e dedicação.
O marido dela, Francisco Secundino da Silva, um jovem negro, filho de escravos, que com o apoio e persistência de Mãe Luzia foi eleito vereador em Macapá. Ela faleceu aos 109 anos, em 24 de setembro de 1954. Foi velada pela população e por todas as autoridades do Estado. Deixou uma sucessora, Vó Juliana, que quando Joel Elias fez a pesquisa, estava com 98 anos. Mãe Luzia foi eternizada com o nome na Maternidade de Macapá, inaugurada no dia 13 de Setembro de 1953, pelo ex-governador Janary Gentil Nunes, que passou a ser chamada de Hospital da Mulher Mãe Luzia e também à Rede de Parteiras Tradicionais do Amapá, criada em 1996. Ela recebeu a homenagem em vida e nem se envaideceu por isso
PERÍODO QUE MÃE
LUZIA VIVENCIOU
Esse levantamento histórico e cronológico foi retirado do site do Edgar de Paula Rodrigues, escritor, poeta, jornalista e colecionador de histórias. Setembro de 1835 a julho de 1900 - Sargento Joaquim José Romão de Almeida.· Julho de 1900 a junho de 1901 - Alferes Pompeu Aureliano de Moura.Intendentes (1895 a 1929)A intendência de Macapá começa em 1895, em observância ao modelo nacional de governo das cidades brasileiras. A partir do Decreto Provincial nº 93, que cria o Conselho de Intendência, passam a administrar Macapá os seguintes intendentes:· Fevereiro de 1895 a novembro de 1896 - Coriolano Jucá - O primeiro intendente de Macapá. Em sua administração ocorreu a chamada Revolução Macapaense, em que as tropas do alferes Pompeu Aureliano de Moura, aquarteladas na Fortaleza de Macapá, acostumadas a fazer o policiamento da cidade, não aceitaram que esse serviço fosse procedido por civis. O delegado Aprígio Perez Nunes, após inúmeras e sucessivas disputas, conseguiu fazer com que Moura fosse desligado da guarnição de Macapá, e conduzido preso por um almirante da Marinha do Brasil, para Belém. Coriolano Jucá foi quem iniciou a construção do prédio da Intendência, localizado na Praça Zagury, em frente à cidade.· Novembro de 1896 a janeiro de 1914 - Manuel Teodoro Mendes - Em seu período de governo foi fundado o jornal Pinsônia, sob a direção de Joaquim Francisco de Mendonça Junior.· Janeiro de 1914 a abril de 1920 - Coronel Leopoldo Machado - Um dos grandes fazendeiros da região do Araguari. Foi Coronel da Guarda Nacional.· Abril de 1920 a setembro de 1921 - Alexandre Vaz Tavares - Intelectual positivista, médico, político e educador macapaense, Alexandre Vaz Tavares governou Macapá por um ano e meio.· Setembro de 1921 a março de 1922 - Ernestino Borges - Também teve grande notabilidade no governo da Intendência. Respeitado pelo seu poder de persuasão e determinação, dotou a cidade de Macapá de vários prédios públicos.· Março de 1922 a agosto de 1926 - Jorge Hurley - Substituindo Ernestino Borges na Intendência, o historiador rio-grandense Henrique Jorge Hurley mudou-se em 1901 para o Pará. Formou-se em Direito em 1910, e em 1914 é nomeado juiz de Direito de Macapá. Em 1922 assume a Intendência de Macapá até 1925. No período que esteve em Macapá colheu anotações para sua obra: Traços Cabanos, no capítulo A Cabanagem em Macapá.· Agosto de 1926 a dezembro de 1931 - Otávio Acioli Ramos – Na gestão dele, Macapá recebeu um pequeno motor com gerador que fornecia energia elétrica para algumas residências e ruas.
Prefeitos nomeados pelo governador
do Pará (1931 a 1943)
Com o término da Revolução de 1930, o sistema de administração das cidades teve uma mudança considerável. Entre outras determinações, ficou substituída a forma de Intendência para Prefeitura, observando-se o modelo francês de governo. No período de 1930 a 1988, houve vários períodos de mudança administrativa. De 1930 a 1980, é a vez dos prefeitos nomeados. A partir de 1986 começa a fase dos prefeitos eleitos pelo voto direto.Na parte referente aos prefeitos nomeados, de 1930 até 1943 esses administradores municipais eram escolhidos pelo Governo Provincial do Pará. De 1944 até 1969, a escolha passou a ser exclusiva do governo do Território Federal do Amapá. A partir de 1970, os prefeitos passaram a ser fiscalizados, embora nomeados pelo governador, à Câmara Municipal de Macapá, que passou a funcionar em 1970, com vereadores eleitos pelo voto popular.A autonomia municipal só começa a partir do primeiro prefeito eleito pelo voto popular (1986).· Outubro de 1930 a maio de 1932 - Tenente-Coronel Jacinto Boutinelli - Historicamente é considerado o primeiro prefeito de Macapá. Segundo depoimentos colhidos pelo pesquisador Fernando Rodrigues, Jacinto tinha uma personalidade muito irascível. Violento e mau-caráter, tratava a população com desprezo. Num de seus constantes momentos de insanidade, mandou atear fogo nos documentos dos arquivos da prefeitura, apagando parte da memória, tornando dificílima a reconstituição dos períodos anteriores.· Maio de 1932 a setembro de 1935 - Major Moisés Eliezer Levy - Governou Macapá em vários períodos, deixando uma série de realizações, entre elas a reforma do antigo prédio da Intendência de Macapá, a construção do trapiche que recebe seu nome, da capela do cemitério central. Também teve início, em sua administração, a construção da Rodovia BR-156 (Macapá-Clevelândia).· Setembro de 1935 a dezembro de 1936 - Francisco Ramos Soares· Janeiro de 1937 a dezembro de 1937 - Major Moisés Eliezer Levy· Janeiro de 1938 a outubro de 1941 - Silvio Ferreira Sá· Outubro de 1941 a dezembro de 1941- João Ferreira Sá· Janeiro de 1942 a julho de 1944 - Major Moisés Eliezer LevyPrefeitos nomeados pelo governador do
Amapá antes do Golpe de 1964 Em 1943, Macapá sofre uma profunda transformação. Com a criação do Território Federal do Amapá, em 13 de setembro de 1943, é nomeado governador do novo Território Federal, o capitão de Infantaria Janary Gentil Nunes. Quando se dirigiu para cá, a capital do Amapá era o município de Amapá (lei n 5.839). Em razão de problemas geográficos da região, Janary Nunes transfere para Macapá a sede do governo territorial. O decreto presidencial de nº 6.550 vai confirmar Macapá como capital do Território Federal do Amapá, definitivamente.
NOVA UNIDADE POLÍTICA Com a formação da nova unidade política do Amapá, o major Moisés Eliezer Levy, a esse tempo no governo municipal, conservou-se como prefeito até junho de 1944. A fase dos prefeitos nomeados pelo Governo do Amapá se divide em: prefeitos nomeados antes do Golpe Militar de 1964, e prefeitos nomeados depois do Golpe Militar de 1964.· Julho de 1944 a maio de 1945 - Odilardo Gonçalves da Silva· Maio de 1945 a fevereiro de 1947 - Jacy Barata Jucá· Favereiro de 1947 a janeiro de 1950 - José Serra e Silva· Janeiro de 1950 a março de 1951 - Edílson Borges de Oliveira· Março de 1951 a agosto de 1951 - Claudomiro de Moraes· Agosto de 1951 a novembro de 1952 - Heitor de Azevedo Picanço· Novembro de 1952 a dezembro de 1954 - Claudomiro de Moraes.

Mãe Luzia
Essa mulher viveu muito. Ela conheceu cada um desses governantes. Todos eles precisaram dos “serviços” dela. Todos foram a ela pedir benção e uma benzida nas costas, na barriga da mulher, no quebranto do filho, no mal olhado da vizinha e pedir umas “meizinhas” pra tirar a “picica” e a panemeira e até pra afastar a “coisa ruim”. E assim se tece uma história e ainda faltam tantos fios para completar. Que venham os raios de luz, a vontade de fazer antes de pensar em enriquecer, que venha a Luz, a Paz e o Amor, construindo um novo tempo com cacos de bons exemplos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Tudo que eu precisava saber sobre esta velha mãe iluminada, agora sei. E sei de outras coisas que certamente vai "cair!" no concurso público. Obriga, Panela do Povo.

Panela do Povo disse...

É assim, desse jeito que se contrói e se tece uma rede de história: citando as fontes, fazendo poesia, humanizando e falando o que é real, sem tempero dos disfarces. Se é vilão terá que ser vilão até depois da morte. Se é herói tem que ser sempre. Mas não como aquele herói dos braços maior que o corpo que na hora da agonia gritou: Ou mato ou morro. Como no Amapá não tem morro, ele correu pro mato e sumiu, enquanto os fraceses trucidavam mulheres, velhos, crianças, aleijados e os que não puderem acompanhá-lo pelo mato afora. A Mãe Luzia, sim. Essa foi heroína, a médica, a parteira, a benzedeira. Ela sim, merece todas as nossas reverências e ser imortalizada como a negra de alma de luz e amor.

Joseli Dias disse...

A vida desta santa negra, mãe simbólica dos macapaenses, é realmente linda. Parabéns ao Édi Prado, ao Edgar rodrigues e ao Panela do Povo por publicar um assunto tão interessante.

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